O BONECO DA CRIAÇÃO
Lourildo Costa
Dr. Gladisthonne sempre foi uma pessoa de suma importância para o corpo social de sua época. Elemento de larga influência na comunidade e de constante presença em eventos e reuniões da socialite. Seus negócios ocupavam a primazia do seu viver e raramente reservava um tempinho para a família. Seu casal de filhos crescia tão rapidamente que o Dr. Gladisthonne mal percebia o desenvolvimento deles.
- “Minha vida é uma carreira interminável, um cavalgamento, uma concorrida escalada...” – pensava, às vezes, estupefato.
Reservava pouco tempo para os prazeres da vida e quase nada se alegrava com a sua mulher, a moça com quem havia se casado, apesar de bonita e graciosa como uma gazela.
Homem culto, colecionador de muitos diplomas, levava uma vida acadêmica com o seu inglês fluente. Ocupado demais com os problemas de sua empresa, fazia das tripas o coração para a sobrevivência da mesma. Mantinha o controle da qualidade total e os seus clientes eram quem ditavam as normas.
Certo dia, chegara fatigado de uma longa reunião com o pessoal do governo. Seus filhos e mulher dormitavam no sofá, aguardando sua chegada. Abriu a porta devagar, afrouxou o nó da gravata, desabotoou a camisa de seda, desafivelou a calça impecavelmente vincada, beijou mulher e filhos, sem dizer palavras, e foi deitar-se para dormir um pesado sono.
Alta madrugada. Dr. Gladisthonne balbuciava palavras inentendidas, pois parecia estar devaneando. Sonhou que atravessara um lindo jardim oriental, de flora e fauna aconchegantes aos olhos. Viu muitas árvores lindas e frutíferas, de todos os tipos, que cresceram à beira de um riacho, cujas águas cor de prata regavam o chão. Dr. Gladisthonne viu que as frutas eram boas de se comer e caminhava por entre as árvores do jardim, de paletó e gravata, porém, com os pés no chão. Ao Norte, do pico de um monte, nascia um rio viscoso, cujo elemento transformava-se
- “Agora vou fazer um ser semelhante a mim, que se parecerá comigo e que terá muitos poderes. Sua influência será conhecida em toda a Terra e o seu domínio será sobre as nações”.
Então, da argila do rio, Dr. Gladisthonne começou a formar o boneco que imitava a criação. O barro, pastoso e frio, sujou-lhe as mãos e os pés descalços. Modelava-o, fazendo a cabeça, o tronco e os membros. Depois de tudo pronto, abriria a maleta de executivo e sopraria no nariz do boneco a respiração da ciência, e assim esse ser se tornaria num robô inteligente. Se desse certo, seria capaz de elaborar a clonagem de outros bonecos científicos que a própria ciência se encarregaria de explicar o milagre daquela criação.
Terminada a obra, Dr. Gladisthone fixou o olhar para o boneco que ele havia formado e antes que introduzisse em suas narinas o assopro da ciência, de repente ouviu um estrondo que vinha do céu, e uma luz brilhou em volta dele. Ele caiu no chão e ouviu uma voz que dizia:
- “Não faça imagens de nenhuma coisa, pois não há outros deuses e entendidos diante de mim. Não farás para ti semelhanças à minha criação, nem do que há lá em cima no céu, ou aqui embaixo na terra ou nas águas debaixo da terra. Eu, o Eterno, sou o seu Deus e não tolero outros deuses. Eu castigo aqueles que me odeiam, até os netos e bisnetos. Porém sou bondoso com aqueles que me amam e obedecem aos meus mandamentos e abençôo os seus descendentes por milhares de gerações”.
Dr. Gladisthonne ergueu a cabeça, aturdido, passando as mãos argilóides sobre os olhos embaçados pela claridade, sem poder divisar coisa alguma. Pôde sentir a presença poderosa do Eterno. Enquanto observava, ouviu um barulho. Eram os membros do boneco de barro que se soltavam uns dos outros, cada um saindo do seu próprio lugar e se esfarelando todo. Enquanto o Dr. Gladisthonne fixava o olhar sobre o boneco que se esmiuçava, toda a argila se decompunha em tenuíssimas partículas de terra seca e não foi possível introduzir a respiração da ciência naquele corpo em pó.
Ao amanhecer, acordados, mulher e filhos, foram encontrar o Dr. Gladisthonne estendido no corredor da parte inferior da casa. Durante o sonho, sem que percebessem, o sonambúlico Gladisthonne havia rolado escadas abaixo e lá permanecido até ao raiar de um novo dia.
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